Entendendo que os limites entre cuidado e controle são tênues, decidi refletir aqui com vocês sobre isso.
O objetivo desse texto é te ajudar a pensar a forma como se relaciona com as pessoas, se está baseado no cuidado ou controle. Podemos pensar nisso tanto na relação entre casais, como entre pais e filhos.
E lembrando que “a virtude está no meio”, algumas relações vão exigir mais controle, principalmente por conta do nível de maturidade de uma das pessoas, por exemplo entre pais e filhos, mas o importante aqui é definir esse limite para que se possa sair da unilateralidade, que como o próprio nome diz, nos coloca fora de equilíbrio.
Usando como base um capitulo do excelente livro “O palhaço e o psicanalista” de Christian Dunker e Cláudio Thebas, listo abaixo algumas diferenças para gente começar:
- Espaço
O cuidado deixa um espaço para que a outra pessoa possa vivenciar de forma intensa e interessante.
E se o resultado for positivo, ou seja, se der certo, ótimo! Se não deu, o cuidador permite que a pessoa tire conclusões e aprendizados dessa experiência.
O controle coloca a pessoa em uma situação fechada na qual existe um planejamento para execução e reduzir as falhas.
Se der errado, todo o processo é invalidado, é considerado fracasso e perda de tempo.
- Escuta
O cuidado dá espaço para o silêncio, para que a pessoa vivencie, tire suas conclusões. Ele não coloca respostas prontas ou definições. E se a pessoa precisar de apoio para lidar com a situação, o cuidador estará lá para isso. Mas não quiser, ele a deixa livre.
Ele espera ser chamado e ser solicitada a ajuda.
O controle não espera, não escuta. Acha que sabe o que é melhor para o outro e o faz sem ser solicitado, sem ter escutado a demanda.
Está mais relacionado a dominar, ou seja, colonizar a outra pessoa, para que ela pense como ele e faça como ele.
- Fala
O cuidado orienta, explica, acolhe e motiva. Demonstra que está por perto, sem interferir muito no processo. É uma presença que passa segurança e acolhimento.
O controle é cheio de ordens, comandos e críticas: “faça assim”, “melhore na próxima”, “você errou de novo, não aprende?”
A fala é dura, crítica e deixa a pessoa desmotivada, inibida, dependente e se sentindo insuficiente.
- Sentimento
No cuidado predominam as relações de amor. O outro é um sujeito, tem direito a fala, a pensar e agir diferente. A relação é afetiva.
No controle predominam relações de poder. O outro é um objeto, no sentido de que tem que cumprir os desejos do controlador. A relação é embrutecida.
Carl Jung tem uma frase que gosto bastante: “Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro.”
Para ele o contrário de amor é o poder e não ódio ou a indiferença.
Na mitologia, diz-se que não houve guerras no mundo quando o Deus da Guerra, Marte ou Ares se apaixonou e foi amante da Deusa do Amor, Afrodite ou Vênus. O amor superou o poder.
Note então, que o cuidado tem um certo desapego de suas próprias vontades, considerando o que poderia ser melhor para o outro, ouvindo as opiniões dessa pessoa.
É claro que quando falamos de filhos pequenos, o cuidado e o controle estão muito próximos porque a criança não sabe dizer o que precisa. E porque ela precisa de limites e de rotina para poder se estruturar minimamente e se posicionar no mundo caótico.
Os pais que não disciplinam seus filhos estão fixados em uma unilateralidade, é um exagero da orientação de não se bater ou usar violência com os filhos (que realmente não faz bem).
Quando não se educa (é muito mais do que bater) o filho, apenas faz o que ele quer ou gosta, ele se torna despreparado para o mundo, não suporta a frustação, não sabe lidar com as perdas e com o que sai fora do que ele deseja. É um caminho certo para um fim trágico.
A orientação/educação dos pais, frustrando muitas vezes o desejo inapropriado do filho o ensina a lidar com os “nãos” da vida. A perceber o que é adequado ou não, a pensar nos outros, aprende os valores familiares. A criança que não aprendeu a perder, não vai se tornar magicamente um adulto que saiba perder, não terá valores que os guia, terá dificuldade de fazer vínculos porque se relacionar implica ceder. Educar os filhos ainda é o papel primordial dos pais. Que deveriam pensar em como essa criança vai lidar com o mundo no futuro.
Porém, o excesso de controle faz com que a criança se torne incapaz. Ela passa a acreditar que não sabe escolher, não sabe fazer nada por si, precisa dos outros. Gera dependência.
De novo, a linha é tênue entre controle e cuidado, mas eles andam juntos, o ponto da nossa reflexão é quando se torna excessivo, unilateral.
Nas relações de casais dependentes emocionalmente, eles enfrentam uma dinâmica de controle travestido de cuidado ou amor. Muitas vezes um é o controlador e outro controlado, mas pode ocorrer de ambos serem controladores e abusivos.
“Não importa se o outro está feliz ou não, desde que ele faça o que eu mando/quero” é um dos diálogos internos do controlador. Ou, “eu sei o que faz o outro feliz, ele precisa de mim para tudo.”
Não é à toa que filhos de pais controladores tendem a repetir essa dinâmica, sendo mais controladores ainda ou sendo o total oposto, caóticos, incapazes de concluir tarefas, seguir regras.
Pais controladores geram filhos controladores que se envolvem em relacionamentos controladores que geram filhos controladores… Acho que você já entendeu que o ciclo controle e dependência que nunca termina.
Eu gosto muito da teoria de Donald Winnicott sobre a mãe suficientemente boa. Ele foi um importante psicanalista que atendia crianças e ele fazia um teste no seu consultório para testar a dinâmica mãe-criança. Ele deixava uma espátula na ponta da sua mesa, bem a mão da criança. E observava como seria a reação da mãe-criança.
Haviam 03 possíveis reações:
- A mãe que logo bloqueia a mãozinha do filho e diz que não pode pegar a espátula, impedindo o seu desejo.
- A mãe que pega a espátula e já entrega para o filho sem que ele tenha pedido, antecipando o seu desejo.
- A mãe que vai observar a reação do filho, deixando-o pegar ou não a espátula. Deixa a criança experimentar. E ela ficará atenta para que ele não se machuque ou o médico fale que não poderia pegar.
Essa última é a reação a do cuidado, a mãe suficientemente boa, aquela que está presente e ausente na medida para que o outro possa experimentar e vivenciar a vida.
E nos casais, como isso se aplica? O parceiro suficientemente bom, entende que o outro é um indivíduo com seus desejos, vontades, personalidades diferentes, mas que estão unidos por valores e objetivos em comum. Não precisa de controle porque um confia que outro irá respeitar os acordos do casal, sem apagar a individualidade de cada um.
Não precisa controlar o que o outro pensa, faz, a senha das redes sociais e etc, porque acredita que o outro fará o que foi combinado entre eles.
Se o outro não faz o combinado? Bom, dai é de se pensar se é o parceiro que vale a pena construir uma vida. Controlá-lo não ensinará nada do que ele já não tenha aprendido na infância.
Ninguém transforma ninguém, querer isso é controle.
Cuidar e amar exige desapego.